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MODELO DE TEXTO ROTEIRO

 

A DESCONSTRUÇÃO DAS IDEIAS DE ESTRUTURAS DE PODER PELO RISO E A IRONIA EM LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

 

Cloves da Silva Junior[1]

Vera Lúcia Alves Mendes Paganini[2]

 

RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo analisar se a comicidade e a ironia contidas nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo podem possibilitar a desconstrução das ideias de estruturas de poder. Inicialmente, será feito um estudo sobre o conceito de poder e como este é instaurado na sociedade, observando as teorias de Michel Foucault. Em seguida, retratar-se-á a crônica, sua estrutura e os aspectos principais, de forma a inteirar o leitor do gênero literário que será tratado, através dos estudos de Massaud Moisés e Jorge de Sá. Serão conceituadas a comicidade e a ironia, peças-chave das obras analisadas; posteriormente, serão discutidos os recursos que são utilizados para a criação do riso e da ironia na literatura, a partir dos estudos de Concetta D’Angeli, Guido Paduano e outros. Por meio disso, procurar-se-á perceber se o riso consegue ruir as ideias de estruturas de poder existentes no seio social, pelo exercício microfísico da desconstrução. Observar-se-á também qual a intenção do autor ao escrever suas crônicas, seja com o propósito de criticar ou cultivar o humor. Além disso, com base nas teorias de Cleudemar Fernandes, analisar-se-á como ocorre a construção e a desconstrução do discurso na sociedade, de acordo com a ideologia e posição de cada sujeito discursivo. Em suma, os textos de Veríssimo exteriorizam conflitos políticos, culturais e ideológicos presentes no dia-a-dia, e esses aspectos serão discutidos nas análises. A pesquisa será bibliográfica, utilizando autores que tratem do poder, da crônica, da ironia e da comicidade presentes em obras literárias.

 

 

PALAVRAS-CHAVE: Ironia, Comicidade, Poder, Crítica Social, Luís Fernando Veríssimo.

 

 

 

            Os recursos da comicidade e da ironia são bastante utilizados na literatura ao longo dos tempos e na literatura contemporânea como crítica social. Observa-se que o riso, desde a antiguidade, age como forma de desconstrução do poder, fazendo com que as situações que demandam certa atenção e temor, muitas vezes sejam simplesmente ignoradas ou ridicularizadas pelas pessoas comuns.

            Nesse sentido, com a presente pesquisa, pretende-se analisar como a comicidade e a ironia agem nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo, e ainda como o poder é desconstruído a partir do riso. Será questionada qual a intenção do autor ao escrever crônicas que retratem problemas sociais, e ainda o objetivo do humor nessas crônicas.

            Para tanto, utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica, com fundamento em obras como A crônica, de Jorge de Sá, a qual define o gênero literário utilizado neste trabalho, bem como seu surgimento, considerado por ele um gênero literário tipicamente brasileiro.

Sobre o poder, utilizar-se-á a obra Microfísica do poder, de Michel Foucault, que relata a constituição do poder e como ele se desencadeia na sociedade. No tocante ao cômico, serão utilizadas as obras O riso: ensaio sobre a significação da comicidade, do filósofo Henri Bergson, que não define o cômico, pois o considera algo vivo e em constate mutação, apresentando suas características e procedimentos de criação, e a obra O cômico, de Concetta D’Angeli e Guido Paduano, que traça, simultaneamente, a trajetória do cômico na literatura ocidental, e a utilização do riso no século XX.

            No que se refere à ironia, trabalhar-se-á a obra A ironia da comunicação, de Henri-Pierre Jeudy, e ainda a obra-chave deste trabalho, Ensaios sobre a arte da palavra, de Paulo Cezar Konzen, a qual retrata a ironia e o riso nas crônicas de Luís Fernando Veríssimo. Destarte, analisar-se-ão algumas crônicas do autor em questão que servirão como base para estudo dos aspectos mencionados, isto é, o poder, a ironia e a comicidade. Vale ressaltar que esta pesquisa será constituída em três capítulos, com uma fundamentação teórica, uma discussão dos tópicos e comprovação da pesquisa pela dissecação de algumas obras.

            No primeiro capítulo pretende-se retratar as estruturas do poder, e como ele se constitui nas relações sociais, bem como o poder na visão de Foucault, que retrata:

 

Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação. E esse caráter relacional do poder implica que as próprias lutas contra seu exercício não possam ser feitas de fora, de outro lugar, do exterior, pois nada está isento de poder. (FOUCAULT, 2001, p. XIV).

 

              Pela citação acima, percebe-se que o poder é exercido em cadeia e que se encontra ora nas mãos de uns, ora nas mãos de outros. Não é algo que se entrega a outrem, ele passa de indivíduo a indivíduo, não importando a sua classe social. Assim, da mesma forma que alguém pode exercer o poder sobre outra pessoa, esta pessoa pode ter em suas mãos uma “carta na manga” e chantagear aquele que há minutos atrás exercia o poder sobre este último.

              Com base nisso, Foucault confirma que:

             

O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está em mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, o poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.  (FOUCAULT, 2001, p. 183).

 

 

              Assim pode-se dizer que o poder é exercido em rede, e que nem sempre permanece nas mãos de um indivíduo por muito tempo, e percorre a sociedade, em busca de novos dominadores e de novas imposições, passando da elite até às classes mais baixas, caracterizando-se o exercício microfísico do poder relatado por Foucault.

              No segundo capítulo discutir-se-á o riso e a ironia como recurso persuasivo para minar as estruturas estáveis de domínio social; considerando-se que será a base para a discussão sobre a desconstrução das idéias de poder. Nesse sentido, será conceituada ainda a crônica, visto que se trata do gênero literário utilizado por Veríssimo, na maioria das vezes, e que contém os elementos imprescindíveis para a análise do presente trabalho: desconstrução das idéias de poder, ironia e riso.

              Inicialmente, de acordo com Jorge de Sá, historicamente, “a carta de Pero Vaz de Caminha a El-rei D. Manuel assinala o momento em que, pela primeira vez, a paisagem brasileira desperta o entusiasmo de um cronista, oferecendo-lhe a matéria para o texto que seria considerado a nossa certidão de nascimento”. (SÁ, 1987, p. 05).

              Nesse sentido Jorge de Sá retrata ainda que:

Enquanto o contista mergulha de ponta-cabeça na construção do personagem, do tempo, do espaço e da atmosfera que darão força ao fato “exemplar”, o cronista age de maneira mais solta, dando a impressão de que pretende apenas ficar na superfície de seus próprios comentários, sem ter sequer a preocupação de colocar-se na pele de um narrador, que é, principalmente, personagem ficcional (como acontece nos contos, novelas e romances). Assim, quem narra uma crônica é o seu autor mesmo, e tudo o que ele diz parece ter acontecido de fato, como se nós, leitores, estivéssemos diante de uma reportagem. (p. 09, 1987).

 

              Assim, observa-se que a crônica é um gênero narrativo breve, que preconiza registrar somente o essencial, porém, sem deixar de lado os aspectos literários na elaboração desse tipo de texto. A crônica, geralmente, é veiculada na imprensa, por meio de jornais, revistas, dentre outros, e tem o poder de impressionar e prender o leitor a cada linha, haja vista que, na maioria das vezes, a crônica não apresenta narrador, mas somente diálogos, apresentando uma sucessão de idéias, dado à rapidez dos fatos ocorridos.

 

A pressa de escrever, junta-se à de viver. Os acontecimentos são extremamente rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder acompanhá-los. Por isso a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta, mais próxima da conversa entre dois amigos do que propriamente do texto escrito. Dessa forma, há uma proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade, sem que o narrador caia no equívoco de compor frases trouxas, sem a magicidade da elaboração, pois ele não perde de vista o fato de que o real não é meramente copiado, mas recriado. (SÁ, 1987, p. 10/11).

 

              O cronista deve ser capaz de tamanha agilidade, dispondo de recursos necessários para a criação literária, não devendo ser ater a pequenos detalhes e fatos, que são desconsiderados pela crônica.

Ao abordar o riso, percebe-se que a comicidade está no cotidiano das pessoas desde os tempos trovadorescos com as cantigas de escárnio e maldizer produzidas pelos trovadores.

 

A cantiga de escárnio é aquela em que a sátira se constrói indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando “palavras cobertas, que hajam dois entendimentosi indiretamente, por meio da ironia e do sarcasmo, usando "as, muitas vezes insignificantes ebidos aos olhos mais atentos.rrati[...] Na de maldizer, a sátira é feita diretamente, com agressividade, “mais descobertamente”, com “palavras que querem dizer mal e não haverão outro entendimento” [...]. A linguagem em que eram vazadas admitia, por isso, expressões licenciosas ou de baixo-calão. (MOISÉS, 1999, p. 23).

 

A partir disso, observa-se que as referidas cantigas, de acordo com Massaud Moisés, naquela época, já eram utilizadas como forma de denunciar os problemas sociais ocorridos, bem como ironizar e satirizar alguma personalidade, que na maioria das vezes, estava relacionada aos problemas encontrados. E, por outras, vezes, os trovadores escarneciam certas pessoas simplesmente por prazer, como gozar de uma pessoa em razão de sua obesidade ou feiúra, e assim por diante.

Nesse caso, poder-se-ia classificar a comicidade de Veríssimo como sendo parecida com as cantigas de escárnio, em que se pretende criticar, usar a ironia, utilizando-se palavras ambíguas, de duplo sentido, atingindo indiretamente aqueles a quem são direcionadas.

Sobre a comicidade, Henri Bérgson (2007, p. 02) defende a idéia de que “não há comicidade fora daquilo que é propriamente humano”, isto é, confere ao homem o poder de rir das coisas ou atitudes vivenciadas ou por ele vistas. Dessa forma, um animal não pode criar uma situação cômica nem rir-se dela, ou de qualquer outra, visto que esta é uma característica de seres pensantes, racionais.

Segundo Bergson, o risível dá a idéia de algo absurdo, exagerado, criado por qualquer pessoa. Pode-se tornar alguma situação risível quando se insere nela um acontecimento que não estava previsto, ou um equívoco por algumas das pessoas que presenciaram o ocorrido. Vislumbrando-se ainda o cômico e confirmando o pensamento de Bergson, Concetta D’Angeli e Guido Paduano expõem que:

o riso surge, segundo Freud [...] como conseqüência de um movimento agressivo que denota a presunção de superioridade de quem ri em relação ao objeto do riso: é de fato uma refutação de identificação com o outro, que se repete toda vez que o outro dispende um excesso de energia para realizar tarefas físicas ou poupa demasiada energia para realizar tarefas mentais.(p. 273, 2007).

 

Outro fator importante, também objeto desta pesquisa é a ironia, definida pela Nova Enciclopédia Barsa (2000) como um “recurso de expressão que consiste em dar a entender, com um tom de zombaria, o contrário do que se está dizendo. Figura de retórica, descrita por Aristóteles.”. Dessa forma, ao utilizar a ironia, o autor se vale, muitas vezes da ambigüidade, inserindo no contexto literário vários sentidos de uma mesma idéia.

Nesta linha de raciocínio, Henri-Pierre Jeudy ressalta que:

 

A ironia advém de uma catástrofe de crenças; não é amarga, é o sinal da inteligência comunitária. Ela aparece como um mecanismo de defesa na vida cotidiana, como um meio de contornar as normas, de brincar com as instituições, de dar razões ao que se impõe como uma necessidade e de aceitar uma racionalidade na qual se tem bastante dificuldade de acreditar. É a única maneira de cada um escapar da morosidade e dominar sua cólera. [...] Ironia não é a indiferença. (JEUDY, 2001, p. 09/10)

 

              Assim, observa-se que o ato de ironizar é algo que necessita de raciocínio lógico, e que esse ato é um mecanismo de defesa, assim como o escárnio, para provocar e possibilitar, muitas vezes, a desconstrução das normas impostas, seja pela sociedade ou por outros segmentos. É demonstrada ainda como uma válvula de escape, fazendo as pessoas enxergarem aquilo que está diante de seus olhos, e passa comumente despercebidos.

            No terceiro capítulo, a partir desses conceitos, procurar-se-á introduzi-los nas crônicas de Veríssimo, de forma a investigar a crítica social existente, bem como os traços de comicidade e ironia na literatura, e ainda observar se as idéias de poder realmente pode ser desconstruídas a partir de estruturas textuais, de uso de recursos retóricos de vocabulário específico e artifícios de linguagem.

Além disso, será analisado como o recurso da comicidade se desenvolveu desde o início, sabendo-se que foi reprimido por muito tempo, visto que era considerado vulgar para a época clássica, observando o efeito de tais recursos na produção deste estilo de crônicas.

Um fator importante, também a ser analisado, é o fato de que a escrita do autor pesquisado abrange a linguagem cotidiana e coloquial – na maioria das vezes – e com isso atrai o leitor, fazendo com que ele participe e analise os fatos expostos por Veríssimo. Utilizando-se de uma linguagem simples, da vida cotidiana, descontraída e, antes de tudo, bem elaborada, seus textos tratam de assuntos que comumente passam despercebidos aos olhos mais atentos, como relata Paulo Cézar Konzen:

 

A comicidade está entre as características constantes em suas narrativas – nas mais inusitadas formas. A descontração em falar de qualquer tema, e uma visão sólida sobre os fatos, revelam análises inteligentes e precisas da vida cotidiana: a arte de Luís Fernando Veríssimo reside, fundamentalmente, na capacidade de captar cenas, muitas vezes insignificantes à primeira vista, e torná-las visíveis e risíveis, pelo emprego de recursos diversificados (KONZEN, 2002, p. 96.).

 

Ao se tratar da ironia em Veríssimo, Konzen comenta ainda que “em suas histórias, Luís Fernando Veríssimo utiliza a personagem para ironizar atos e fatos políticos, principalmente aqueles ligados à fase de transição entre ditadura militar e redemocratização”. (p. 101, 2002).

Dessa forma, observa-se que a comicidade em Veríssimo está atrelada a ironia, ensejando a desconstrução das idéias de estruturas de poder, resumindo assim, o objeto desta pesquisa.

Todavia, espera-se que ao findar deste trabalho, o leitor compreenda o que é a crônica, bem como, especificamente, o estilo literário de Luís Fernando Veríssimo, de forma que possam ser identificados os aspectos cômicos e irônicos, analisando ainda suas críticas à sociedade, dentre outras. E ainda, perceber, como a desconstrução das idéias de estruturas de poder é efetivada por meio das crônicas que serão analisadas. Além disso, pretende-se enfatizar a importância de estudos da literatura contemporânea, com as crônicas de Veríssimo, definido por Konzen (2002) como mestre da palavra, pela sagacidade como as utiliza e como brinca com elas.

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGSON, Henri. O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. 2ª edição. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

 

D’ANGELI, Concetta. PADUANO, Guido. O cômico. 1ª edição. Tradução de Caetano Waldrigues Galindo. Curitiba: Ed. UFPR, 2007.

 

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 16ª edição. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001.

 

JEUDY, Henri-Pierre. A ironia da comunicação. 1ª edição. Tradução de Caroline Chang. Porto Alegre: Sulina, 2001.

 

KONZEN, Paulo Cezar. Ensaios sobre a arte da palavra. Cascavel: Edunioeste, 2002. Disponível em http://www.unioeste.br/editora/pdf/paulo_konzen_palavra_thesis_protegido. pdf. Acesso em 12.03.2009 as 16h00min.

 

MOISÉS, MASSAUD. A criação literária: prosa. 13ª ed. Cultrix: São Paulo, 1999.

______. A literatura portuguesa. 29ª edição, revista e aumentada. Cultrix: São Paulo, 1999.

Nova Enciclopédia Barsa. Encyclopaedia Britannica do Brasil. Publicações, São Paulo: 2000. Obra em 18 volumes.

 

SÁ, Jorge de. A crônica. 3ed. Série Princípios, São Paulo: Ática, 1987.



[1] Graduando em Licenciatura em Letras – Português/Inglês da Universidade Estadual de Goiás, Unidade Universitária de Jussara.

[2] Professora Orientadora Ms. Vera Lúcia Alves Mendes Paganini, mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Goiás.